”Eu não te dei autorização!” dizia-me um dos meus filhos. Era sobre uma partilha que eu tinha feito no facebook. Uma partilha que fiz com total sensação que tinha sido autorizada pela criança em questão. Mas agora, tinha a minha frente um ser que sentia que a sua integridade estava ferida. E ferir a integridade, é algo que não quero mesmo fazer.
Uns dias antes desta conversa, que aconteceu entre todos no carro no final do dia, tinha lido um artigo de uma jovem adolescente que, ao criar contas nas redes sociais pela primeira vez, descobriu as partilhas que a mãe e a irmã já tinham feito imensas partilhas sobre ela. Algo que a fez escrever que se sentia traída.
Muitas vezes defendemos as nossas partilhas com o ”pergunto sempre ao meu filho primeiro e só partilho o que ele autoriza”. Tantas vezes que também disse isso. Mas naquele dia, no carro, estávamos cansados e com fome. E fui acusada de não ter agido bem, mesmo que eu tivesse a certeza absoluta de que tinha agido de acordo com o combinado.
Refleti sobre como é fácil autorizarmos uma partilha de algo nosso, uma fotografia ou uma história, quando estamos num bom momento. Quando estamos bem dispostos e quando nos sentimos próximos da pessoa que nos está a pedir. E como isso pode mudar, totalmente, no dia em que nos sentirmos com poucos recursos, num momento em que não sentimos tanta conexão, com a mesma pessoa. E como nesse momento, aquela partilha, com a qual até na altura concordamos, nos pode causar sensações desagradáveis, podemos de repente sentir que fomos usados… podemos sentir que a nossa integridade foi ferida.
Imagina, é um pouco como ir fazer uma tatuagem quando estás bêbada. Ou de deixares que te tirem uma fotografia nua num momento apaixonante.
E agora?
Bom, não acredito que haja respostas certas nem erradas, mas acredito que é necessária reflexão ponderada sobre este tema. Uma criança que nasce hoje em dia, em princípio não tem escolha sobre a pegada digital que quer deixar. Aliás, a pegada é feita por ela desde o primeiro momento, com fotografias da barriga da mãe e das ecografias. E assim continua. Algumas pessoas escolhem não fotografar a cara e sentem que essa é a forma mais certa. Outras não partilham fotos nenhumas mas partilham histórias e diálogos. E quero aqui deixar um convite à reflexão. E quero chamar à atenção às partilhas dos diálogos e das histórias. Pois não estamos aqui apenas a falar de fotografias (parece que às vezes discute-se este tema como se o único problema fossem as fotografias). Chamo particular atenção a este ponto, porque eu sou uma daquelas que no passado já partilhei muitos diálogos. Daqueles giros, com muita piada. E os sábios e profundos. E deixei de o fazer. Mas demorei a perceber o impacto que podem ter na relação com os meus filhos.
Como fazer então? Perguntar é sempre um bom começo. Mas por outro lado, a partir de que idade terá a criança consciência o suficiente para entender com que é que está a concordar? Se querem mesmo uma idade, então pensando com lógica. Cada rede social tem uma idade mínima para utilização. Supostamente acreditam que se entende o funcionamento da rede apenas a partir dessa idade. E os perfis são pessoais. Se o fornecedor dar rede acha adequado a sua utilização apenas a partir de uma certa idade então a própria pessoa não pode ter uma conta nem fazer partilhas suas antes dessa idade. Para facebook, por exemplo, isso implicaria apenas a partir dos 13 anos.
Entendo que vai haver muita gente que não acha isso viável. E por mim tudo bem. Isto é apenas um convite a reflexão. Na realidade acredito que depende. Depende de criança para criança. Depende das necessidades emocionais da criança (para quem conhece o modelo LASEr sobre qual falo no Educar com Mindfulness utiliza este conhecimento na tua reflexão). Depende se a estamos a manipular a partilha ou não. Depende. E depende entre outras coisas das respostas a algumas perguntas que te convido a fazer.
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Qual é a minha intenção? Porque é que quero fazer esta partilha?
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Como é que o meu filho se vai sentir quando descobrir esta partilha no futuro (quando pré-adolescente ou adolescente)?
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Como é que eu me sentiria se alguém que eu amo profundamente fizesse uma partilha equivalente sobre mim, agora?
Acredito que estas perguntas deverão ser feitas mesmo quando a criança autoriza uma publicação. E acredito que têm de ser feitas com total honestidade. Se forem enroladas numa série de desculpas e justificações, então não são honestas. (e sim, eu fiz as perguntas em relação a este artigo).
No próximo Podcast IVM, que conta com a participação especial da atriz Vera Kolodzig, falo precisamente deste tema, com tantas linhas subtis entre a invasão da privacidade e integridade da criança e a nossa vontade como pais.
Fica atent@! Vale MESMO a pena ouvir 🙂