Há algum tempo, eu, Pedro e os nossos três filhos estivemos a volta da mesa do jantar a conversar. Como sempre, as conversas vão de um tema para outro. Falamos sobre a escola, sobre trabalho, sobre futebol, sobre andebol, sobre coisas que aconteceram e outras coisas que eram para acontecer. Até a conversa acabar numa temática que senti que era mais séria; falamos de géneros, de orientações sexuais e outras coisas interligadas. Isto aconteceu antes da polémica sobre a roupa sem género, mas lembrei-me nestes últimos dias por causa de uma coisa que o nosso Mr11 disse.
Admito que achei interessante a marca escolher a expressão ”ungendered” e não o habitual termo ”unisexo”. Sobre os porquês dessa escolha podemos refletir e também podemos questionar se roupa alguma vez teve género… Claro que a roupa não tem género. Somos nós que atribuímos o género à qual a roupa pertence através dos nosso filtros, preconceitos e das nossas crenças. E é aqui que começa a ser interessante e problemático para muitos. Pois nem todos querem aceitar que o mesmo pode estar a acontecer com o próprio género em si.
Tenho lido comentários a esta campanha que me causam uma tristeza tremenda. Bem, na verdade não é só tristeza que me causam. Sinto frustração, irritação, desespero. Mas claro, o problema não é a roupa, o problema é o medo com o qual olhamos para esta situação. O medo das pessoas que criticam, que pintam cenários irracionais e que elaboram grandes teorias de conspiração. E o meu medo, que apesar de achar muito disto totalmente cómico, identifico o medo no pensamento ”E se essas opiniões se espalharem? Se cada vez mais pessoas falarem assim?”.
Quando ajo através deste medo só vejo idiotas à minha volta. Mas se parar e procurar o amor em mim, vejo pessoas e as suas crianças interiores, aterrorizadas. Obviamente, algumas destas pessoas, ao lerem o que acabei de escrever vão achar que eu é que sou a idiota. E está tudo bem. O que eu quero em primeiro lugar é agir em congruência com o igual valor. E sei que, só quando trato o outro com igual valor é que tenho uma hipótese de o influenciar positivamente. Neste caso em particular parece que tenho um pêndulo em mim… hora vou para o amor… hora vou para o medo… e procuro acalmar o meu ego que me diz que as minhas opiniões são melhores do que aquelas pessoas, pois elas querem separação e discriminação e eu quero união e igual valor. E no momento em que estou nesse lugar, sou eu que estou a praticar a separação e a discriminação. Este pensamento também ressoas em ti?
Ao mesmo tempo tenho presente o paradoxo da tolerância do filósofo Karl Popper:
”Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes.”
Lembro-me, por exemplo, da criança que está a fazer uma birra, a tratar alguém mal ou a não querer aceitar um não. Tratar a criança com igual valor não quer dizer concordar com o que ela está a fazer ou não fazer nada. Quer dizer reconhecer o que ela quer e na mesma manter a sua posição carinhosamente firme. E nesta questão penso o mesmo. ”Ok, consigo entender os vossos receios e os vossos medos. E não vamos fazer o que vocês querem. Mas podemos conversar e estou disposta a trabalhar para satisfazer as necessidades que estão por detrás desse medo.”
E assim, ganho algum equilíbrio quando decido o que vou fazer ou não fazer em relação a esta questão em particular.
Foi também em relação ao que podemos fazer para as pessoas serem mais abertas e mais tolerantes umas com as outras que falamos à mesa de jantar. Tínhamos praticamente finalizado a conversa quando o nosso Mr11 pergunta:
– Sabem o que eu respondo quando alguém me pergunta o que sou?
– Não, diz!?
– Sou solteiro!!!
E assim trocamos a seriedade pelas gargalhadas… e aprendemos (mais uma vez) com a sabedoria e a simplicidade de uma criança.
É sobre amor e medo, sobre indignação e injustiça, sobre tolerância e igual valor, que vamos falar no próximo episódio do Podcast Inspiração para uma Vida Mágica. <3
Mia