Academia de Parentalidade Consciente

Ser Criança

de Elisabete Ferreira

A infância não existe para além do colo de sua mãe, diz-nos Krishna, no seu livro Mahabharata. Início com esta frase que remonta ao séc. VI a.C, que nos mostra este cuidado primordial, em que a criança tem o direito de ser criança e em primeira instância o que mais necessita é de colo, de compreensão, de acolhimento e ainda liberdade para ser criança.

Na essência do que é ser criança estão coisas tão básicas como sentir a maciez das roupas, a temperatura do banho, o calor do colo de sua mãe, o prazer de vestir a sua roupa, a meiguice e delicadeza do tom de voz dos adultos que o acompanham, a descoberta das cores e dos sons, desde logo, sentir através dos sentidos e deixar-se levar a partir do coração e do instinto, porque na verdade ela sabe melhor que o relógio, quando é para comer, beber, brincar e dormir.

Winnicott refere que a criança é uma organização em marcha e que existe em cada uma, uma centelha vital e ímpeto para a Vida, para o crescimento e desenvolvimento.

Neste sentido, Rolando Toro, fala-nos dos potenciais genéticos que são as potencialidades herdadas geneticamente por cada individuo e contidas nos cromossomas humanos, que contem centenas de genes dos quais muitos se manifestam e outros permanecem em silêncio ao longo de toda a existência.

O que a criança mais quer é que seus pais e educadores criem um ambiente adequado para que o crescimento e o desenvolvimento ocorram de forma saudável e sem constrangimentos, e assim os potenciais genéticos se expressem.

As crianças têm uma grande capacidade de adaptação ao meio e ao mesmo tempo sensíveis a medos e a angústias, pelo que quanto mais a criança se sentir pessoa, se sentir compreendida e amada e livre de expressar aquilo que sente, mais facilmente o processo ocorre naturalmente.

Ser criança é ser pessoa. Todas as pessoas para experienciarem uma vida rica precisam de tempo, para tal é importante que não sejam apressadas e não vivam num ambiente de preocupação. Winnicott diz-nos que o desenvolvimento de um ser humano é um processo contínuo, tal como no desenvolvimento do corpo, também no desenvolvimento da personalidade e na capacidade de relação.

Segundo a visão indiana são quatro os motores da identidade, nomeadamente, o corpo físico, o vital, o energético e o corpo mental. O ser humano tem uma dimensão física, biológica, mental, psicológica, espiritual, cultural e social e busca a cada dia a integração consigo e com o meio ambiente, pelo que nenhuma delas deve ser anulada ou descartada.

Segundo Winnicott, no desenvolvimento emocional do ser humano se não houver entraves ou desvios, há saúde, ou seja todos os cuidados de pais e educadores são uma necessidade absoluta para que se transforme num adulto sadio.

As crianças têm prazer em todas as experiências de brincadeira física e emocional. É nas brincadeiras que experienciam a libertação, muitas vezes, das emoções, sendo possível apenas num ambiente tolerante e compreensivo. À semelhança, Toro fala-nos do papel dos ecofatores positivos para o desenvolvimento integrador, ou seja, o desenvolvimento evolutivo realiza-se à medida que a potencialidade genética encontra na existência oportunidades para atuar. As potencialidades podem ser bloqueadas ou estimuladas pelo contato com o ambiente, cujos estímulos e ecofatores são capazes de inibir ou favorecer a expressão genética.

Assim, compete aos adultos, aos cuidadores aceitar a expressão emocional que vem da brincadeira. A brincadeira permite lidar com as angústias, ideias e impulsos. A brincadeira é a prova evidente e constante da capacidade criadora, a vivência. Assim, como refere Winnicott, os adultos contribuem através do reconhecimento da brincadeira e pelo ensino das tradicionais diversões, sem obstruir ou adulterar a iniciativa da criança. Respeitar a vontade da criança é demonstrar o igual valor, no entanto é importante fazê-la compreender que o coletivo prevalece  sobre o individual.

As crianças fazem amigos e inimigos durante a brincadeira, é um processo natural e elas próprias, sem que haja necessidade de intervenção de terceiros, resolvem e gerem a situação. Winnicott reforça que é a brincadeira que fornece uma organização para a iniciação de relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais.

Assim, cito Édouard Claparède (1873-1940), neurologista e psicólogo francês, “Não há nada mais sério do que uma criança brincando”.

Ser criança é estudar e brincar, conversar e aprender, criar e ensinar, ser e ousar, rir e chorar. A criança compreende o mundo através da interpretação e do respeito. Vive intensamente, brinca e sem saber constrói conhecimentos que a vão acompanhar para o resto da vida.

Através da brincadeira a criança experimenta, organiza, regula e constrói normas dentro de si e para o outro. Brincar é uma forma de linguagem para se compreender e interagir consigo mesma, com o outro e com o Mundo.

No que toca às emoções, é relevante referir que também existem as menos positivas, se é que assim se podem chamar, como a raiva e a ira. Elas fazem parte como qualquer outra emoção, pelo que, desde que não provoquem danos a terceiros é importante acolher e criar espaço para que elas possam ser expressas. Winnicott diz-nos que quando existe uma boa assistência e orientação dos adultos a maioria das crianças adquire saúde e capacidade para deixar de lado o controlo e a agressão e assim libertar a raiva e a frustração de forma mais saudável para si e para as que as rodeiam.

“Se souberes ser paciente num momento de fúria, terás escapado a cem dias de tristeza.”

Provérbio chinês