Academia de Parentalidade Consciente

Ditadores com boas intenções

de António Ferreira 

Cada vez mais acredito que a grande maioria das depressões tem a sua génese na infância.

Começa quando os adultos, por amor, impõem as suas crenças e valores às crianças, ou seja o seu Mapa-Mundo.

Para o nosso cérebro conseguir interpretar o mundo ele elabora uma série de Representações Internas, representações essas que são construídas tendo por base uma série de filtros instalados no nosso cérebro que filtram a informação que recebemos através dos nossos sentidos. Esses filtros podem ser crenças, valores, culturas, experiências, etc às quais fomos expostos e que aprendemos. Mas O mundo não é certo nem errado, simplesmente é o que é.

Como as Representações Internas do mundo são criadas tendo por base a informação filtrada pelas nossas crenças, valores, culturas, experiências, etc., isso faz com que conceitos como certo, errado, bom, mau, sucesso, fracasso, segurança, etc. possam ser diferentes, chegando até a serem antagónicos para cada indivíduo, dependendo das suas crenças, valores, culturas e experiências.

Como os adultos têm crenças, valores, culturas e experiências adquiridas acreditam ter uma correcta noção de certo, errado, bom, mau, sucesso, fracasso, segurança, etc. Como as crianças estão a começar a adquirir as suas crenças, valores, cultura e experiências a maioria dos adultos acredita ser a melhor altura de impor “a Verdade”, ou seja, a sua verdade, que nada mais que é que o seu muito pessoal e único, Mapa Mundo, mapa esse criado com base nas suas próprias crenças, valores, culturas e experiências do mundo em que viveram desde crianças, que naturalmente foi bem diferente do mundo em que as crianças viverão.

Ora já por aqui podemos ver que esta imposição de Mapas Mundo não vai correr bem e irá naturalmente gerar aquilo a que se chama de fosso geracional.

A questão é que mais que impor o seu mapa mundo, por amor, impõem também quando e o que devem comer, fazer, brincar, vestir, gostar, ser, sentir, fazer e ter.

Esta liberdade que nós damos às crianças de, por amor, comeres aquilo que eu sei que é melhor para ti, fazeres aquilo que eu sei que é melhor para ti, brincares as brincadeiras que eu sei que são melhores para ti, vestires aquilo que eu sei que é melhor para ti, penteares-te como eu sei que é melhor para ti, gostares daquilo que eu sei que é melhor para ti, seres aquilo que eu sei que é melhor para ti, sentires e deixares de sentir aquilo que eu sei que é melhor para ti, gostares daquilo que eu sei que é melhor para ti, fazeres aquilo que eu sei que é melhor para ti e teres aquilo que eu sei que é melhor para ti, vai lentamente castrando as nossas crianças, cortando-lhes as asas, sufocando lentamente.

Estou a exagerar? Diz-me tu.

Quantas vezes obrigamos o nosso filho a vestir o casaco quando ele diz que não precisa porque afirma não ter frio?

Quantas vezes obrigamos o nosso filho a comer quando ele diz que não tem fome?

Quantas vezes colocamos o nosso filho em actividades desportivas ou extra-curriculares que ele não gosta porque nós sabemos que é bom para ele?

Quantas vezes obrigamos o nosso filho tímido a ir brincar com outras crianças para que ele espevite?

Quantas vezes obrigamos o nosso filho a vestir a roupa que nós queremos?

Quantas vezes penteamos o nosso filho à força, porque assim fica mais bonito?

Quantas vezes forçamos o nosso filho a levar um brinquedo que ele naquele momento não quer levar mas nós sabemos que ele gosta?

Quantas vezes dizemos que o nosso filho é chato, vaidoso, teimoso, terrorista, campeão, princesa, birrento, mimado, mau, parvo…?

Quantas vezes dizemos ao nosso filho para parar de chorar pois não há razão para isso?

Quantas fazes dizemos ao nosso filho «Faz o que eu te estou a mandar porque eu é que sei o que é melhor para ti! Olha agora a formiga já tem catarro!»

Quantas vezes nós dizemos ao nosso filho «Tu não és normal.»?

E lentamente as nossas crianças vão-se habituando a desistir de escutar o seu corpo, de escutar o seu coração, de escutar os seus pensamentos, de sonhar.

E lentamente aparece a resignação, e com a resignação a frustração e com a frustração a depressão, a revolta, ou as duas.

E quando nos apercebemos da depressão, tal como uma virose, procuramos ajuda médica, pois tal como uma virose, aconteceu, é normal, foi azar e tem de ser tratado.

E quando nos apercebemos da revolta ficamos tristes, magoados com tamanha ingratidão pois é-nos muito doloroso o facto dos nossos filhos não perceberem que tudo o que nós fizemos foi e é por amor. Tudo o que nós dizemos e fazemos tem apenas um objectivo, que eles tenham uma vida boa à luz do nosso Mapa Mundo.

É muito duro para um pai ou uma mãe aceitar que o filho já percebeu que afinal não passamos duns ditadores cheios de boas intenções.

Isso é completamente inaceitável para nós, então fazemos o que muito provavelmente os nossos pais e avós fizeram connosco porque foi o que aprendemos e é o melhor que sabemos fazer. Então, concluímos que mais vale tratar ou mesmo castigar tamanha rebeldia…

E pensar que tudo isto se evitaria com apenas três ingredientes. Amor Incondicional, Curiosidade e Paciência. Mas isso é conversa para outro artigo.

One comment

  1. Identifico-me literalmente com o que aqui vem enunciado. Sofri, aprendi mas…
    Mudei
    Hoje sou outra
    Quero o melhor para todos, na medida do que eles considerem ser para eles o melhor.
    Fui formatada, formatei, desformatei-me. Sou professora e alerto os meus alunos para pensarem sempre pela sua própria cabeça. Somos uma gotinha de água no imenso oceano.
    Percebi o valor de amar incondicionalmente todos os seres.
    Ajudarei a mudar consciências com a minha experiência.
    Grata pelo seu testemunho . Vou partilhá-lo.
    Gratidão
    Esmeralda

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