Academia de Parentalidade Consciente

Parentalidade como um caminho criativo

de Laura Bettencourt

Qual é o meu ritmo, mamã?

Ser pai e mãe é um dos papéis mais desejados e sentido como fascinante para uma grande maioria de pessoas. Ao mesmo tempo, é descrito como uma das experiências de vida mais exigentes e desafiantes, tantas vezes acompanhada de sentimentos de medo, dúvidas, irritabilidade, cansaço e frustração. Queremos ter calma e ficamos irritados; queremos avançar e paramos com medo; queremos estar presentes e estamos ausentes, queremos estar atentos e distraímo-nos com o que poderíamos estar a fazer; queremos aproveitar o momento e andamos com pressa…

Com frequência, dedicamos maior parte dos nossos dias a tarefas que nos parecem ser urgentes ou prioritárias e fazemos tudo isso num estado a que habitualmente se chama de “piloto automático”. São aquelas tarefas ou ações que simplesmente fazemos enquanto pensamos em milhares de outras coisas que aconteceram no passado ou que imaginamos que irão acontecer no futuro.

Este funcionar em “piloto automático” não só é frequente em muitos dos papeis que representamos na vida, como está muitas vezes presente na vivência da parentalidade. Vestimos-nos à pressa e queremos que os nossos filhos o façam à pressa, gritamos para que se despachem, que larguem o que estão a fazer, corremos atarefados e exigimos que acompanhem o nosso passo, a compasso.

A este propósito, tenho um pequeno episódio que guardo na memória. Certo dia disse ao meu filho:

– “Anda lá, estamos com pressa, acompanha o nosso ritmo”.

– Qual é o meu ritmo, mamã?”, respondeu-me.

Eu e o pai, demos uma gargalhada e, ainda envoltos na pressa, respondi: – “Olha filho, é o que tu escolheres, anda rápido…”.

Insatisfeito, insistiu: – “Eu não sei qual é o meu ritmo, mamã…, qual é o meu ritmo?”

Desta vez olhei-o mais atenta e nesse momento dei-me conta da profundidade das suas palavras. A expressão dele não era de gozo, nem de brincadeira, parecia de perplexidade. Mais do que especular sobre qual o significado que atribuía à palavra ritmo, acredito que quisesse saber que coisa era aquela que os seus pais pareciam tão bem conhecer e que ele, com o seu corpo pequeno e delicado, não conseguia acompanhar, nem perceber, defraudando todas as nossas expectativas ou a possibilidade de nos agradar.

Momentos como este, em que exercemos a parentalidade em piloto automático acontecem vezes sem conta: repetimos o que os nossos pais fizeram connosco “porque sempre foi assim” ou fazemos o oposto, “porque queremos fazer diferente” e ficamos presos nas malhas do que fomos enquanto filhos; fazemos o que nos habituámos a acreditar que é o certo ou, por vergonha, aquilo que achamos que os outros esperam de nós; outras vezes, simplesmente reagimos de forma imediata às nossas emoções com impulsividade, seja zangados e exigentes, seja com medo e pouco confiantes de que os nossos filhos crescerão saudáveis.

Se é verdade que tudo isso faz parte da nossa experiência de vida, também o é que temos ao nosso alcance formas mais harmoniosas de nos relacionarmos connosco próprios e com os nossos filhos.

Algumas questões podem ajudar-nos a aumentar a consciência do momento, logo a aumentar as possibilidades de escolha: “O que está a acontecer com a criança neste momento? O que estará ela a sentir? Quais as necessidades na origem dos seus comportamentos? E eu, o que estou a sentir, quais as minhas necessidades e quais os meus limites? Como quero estar/agir?”

E estar mais consciente na parentalidade é um convite a:

– identificarmos a nossa bagagem e padrões familiares;

– identificarmos os valores e intenções que queremos que nos guiem no caminho da parentalidade;

– cultivarmos a habilidade de estarmos presentes, momento a momento, nas relações familiares;

– estarmos conscientes de nós próprios e dos nossos filhos: das emoções, necessidades, limites e das mensagens que nos trazem os comportamentos;

– colocar-nos num lugar de profunda conexão, de autenticidade e de respeito por eles e por nós próprios;

– aperceber-nos da natureza única dos nossos filhos, reconhecendo-os;

– confiar que, cada vez mais, vamos aprender a responder da forma que escolhemos e a agir com base no discernimento, na clareza, com compaixão por nós e pela criança.

Ser o pai/mãe que queremos ser, requer uma grande dose de amor, coragem, reflexão e persistência. Provavelmente, tal como os nossos filhos, estamos a fazer o melhor que sabemos, ao nosso ritmo, pois mudar hábitos e padrões familiares é um caminho criativo e não um ponto de chegada.

 – Qual é o teu ritmo, meu filho? Também o quero conhecer e quero que conheças o meu. Em passinhos pequeninos, vamos aprendendo a caminhar juntos, ora ao meu ritmo, ora ao teu.