Academia de Parentalidade Consciente

adolescência: uma visão transformadora para pais e educadores

de Mariana Bacelar

alguns factos sobre a adolescência (o que nos diz a recente investigação)

Na adolescência parece haver uma nova plasticidade, variabilidade e confusão – tanto intelectual como emocional. Alguns neuro-cientistas defendem que a adolescência parece ser um reviver da flexibilidade e plasticidade neurológica tão característica das crianças mais pequenas.

Na verdade, a adolescência, tal  como a primeira infância, parece estar desenhada para ser um período de inovação e mudança. A diferença é que a agenda já não é explorar o mundo no contexto seguro da infância protegida. Em vez disso, o “trabalho”, como adolescente, é  efetivamente deixar esse contexto protegido e fazer as coisas acontecer por si próprio.

O profundamente paradoxal trabalho dos pais de adolescentes é permitir e até encorajar que essa mudança aconteça.

O que nos diz a ciência sobre como os teenagers pensam e atuam e como podemos lidar com isso?

A teoria mais recente entre neurocientistas e investigadores é a chamada teoria dos dois sistemas. A ideia crucial que ela defende é a de que há 2 sistemas neuronais e psicológicos distintos que interagem para transformar as crianças em adultos.

O primeiro desses sistemas está ligado às emoções e à motivação e envolve áreas cerebrais que respondem às recompensas. Estudos recentes sugerem que os adolescentes são destemidos não porque ignoram ou subestimam o risco mas porque sobrestimam as recompensas –  ou seja, sentem as recompensas como mais recompensadoras do que um adulto ou uma criança pequena. Estes centros de recompensa estão muito mais ativos no cérebro adolescente do que no do adulto ou da criança. Pensemos na intensidade incomparável do primeiro amor, daquela vez que ganhamos o campeonato de futebol da escola, das primeiras festas, na intensidade com que ainda hoje recordamos esses tempos dourados – tudo era realmente mais intenso então!

Assim, o que os teenagers querem acima de tudo são recompensas sociais, especialmente as que dizem respeito aos seus pares. De um ponto de vista evolucionário isto faz todo o sentido: depois do nosso longo período protegido de aprendizagem e imaginação ( infância) haverá um momento em que teremos que deixar a bolha segura da família, pegar no que aprendemos como criança e aplica-lo ao mundo real.

Tornarmo-nos adultos significa deixar o mundo dos nossos pais e começar a fazer o nosso caminho em direção ao futuro, que vamos partilhar com os nossos pares. A puberdade não só ativa o sistema emocional e motivacional com uma nova força, como o direciona para fora da família em direção ao mundo dos nossos pares.

Se este primeiro sistema do modelo de dois sistemas envolve a motivação, o segundo sistema envolve o controlo.

O córtex pre-frontal desenvolve-se então, para dar uma ajuda a guiar as outras partes do cérebro , incluindo a partes que governam a motivação e as emoções. Este é o sistema que inibe impulsos e guia a tomada de decisões, que encoraja o planeamento de longo termo e atrasa a gratificação. E este é o sistema que permite alcançar o domínio e a maestria em algo.

Este sistema de controlo depende muito mais da aprendizagem do que o anterior. Torna-se cada vez mais eficiente durante a infância média e continua a desenvolver-se durante a adolescência até cerca dos vinte anos, conforme ganhamos mais e mais experiência. Ou seja, começamos a tomar boas decisões por poder ir tomando não tão boas decisões e depois conseguir corrigi-las. Conseguimos ser um adulto que prevê e planeia com eficácia fazendo planos, implementando-os e vendo os resultados, durante a adolescência. O domínio vem com a experiência.

No passado distante ( e talvez num não tão distante assim!) estes sistemas de motivação e controlo estavam altamente sincronizados. As crianças tinham, nas gerações anteriores, muitas possibilidades para praticar as competências de que precisariam para atingir os seus objetivos em adultos, e assim transformarem-se em experientes planeadores e atores principais da sua vida, mais tarde.

Ou seja, começando na infância média e durante os anos da adolescência treinavamos para ser caçadores, agricultores, cozinheiro ou cuidador, podendo afinar o equipamento pré-frontal  de que íamos precisar como adultos. Isto acontecia sempre sob a supervisão de um adulto, que controlavam o impacto das inevitáveis falhas. Quando o sumo motivacional da puberdade chegava, estaríamos preparados para ir atrás das recompensas reais com uma nova intensidade e exuberância, mas também tínhamos as competências e o controlo para o fazer em segurança e com eficácia.

A relação entre os sistemas de motivação e controlo mudou dramaticamente.

Por um lado a adolescência parece chegar cada vez mais cedo (fatores ambientais, sociológicos e culturais)  e, por outro,  assumimos papeis de adulto cada vez mais tarde.

Outra realidade é que as crianças de hoje têm muito pouca experiência  e pouco contacto com o tipo de tarefas que terão de desempenhar como adultos. Têm cada vez menos  hipóteses por exemplo, de ver os adultos à sua volta a praticar competências básicas como cozinhar e cuidar de outros, de poder experimentar pequenas tarefas e de ser expostos a aprendizagens práticas (é só pensar em como estão estruturadas os infantários e pré-escolas onde passam a maior parte do seu tempo para percebermos isto). Por outro lado, somos uma sociedade avessa ao risco e a deixar as nossas crianças tomar decisões simples, básicas, muito menos assumir determinadas tarefas que possam envolver algum risco – isto influencia os adolescentes que vamos ter no futuro!

Os adolescentes de hoje, muitas vezes, não fazem mais nada a não ser ir à escola. Não têm tarefas domésticas ou pequenos trabalhos. E o crescimento do sistema de controlo depende muito desse tipo de experiência.

Isto não significa que os adolescentes são menos intelegintes do que costumavam ser. Em muitos aspetos são até mais espertos. Um período mais longo de imaturidade e dependência  (uma infância que se estende até à faculdade) significa que os jovens humanos podem aprender mais do que nunca e isto acarreta outra consequência – há evidência da neuro-ciência que um QI mais elevado está correlacionado com uma maturação tardia dos lobos frontais (ligados ao sistema de controlo). Há estudos que evidenciam que crianças cujos lobos frontais maturam relativamente mais tarde são mais propensas a ter QI´s mais elevados. Assim, pode haver uma relação inversa entre altos níveis de auto-controlo e uma vasta aprendizagem. (Não podemos é querer tudo das nossas crianças e adolescentes, portanto, muito menos quando não lhes proporcionamos as condições certas!)

Claro que há muitas formas de ser esperto –  o QI mede capacidades muito gerais, particularmente essas que são importantes para nos sairmos bem na escola. Mas ter um QI elevado ou um tipo específico de conhecimento – como conhecimentos em física ou química  – não me ajuda a saber fazer o jantar. Talvez seja interessante pensar em dar aos nossos adolescentes (e porque não às nossas crianças mais velhas?) mais experiências de aprendizagem prática, mais desafios reais,  hipóteses de aprender trabalhando em coisas que os apaixonem e comprometam, ao mesmo tempo.

Tempos difíceis entre cuidadores e adolescentes

 –  algumas pistas para percorrer o trilho da adolescência sem (tantos) sobressaltos

A maior parte das vezes, senão todas, um comportamento desafiador, diferente do que o nosso filho tinha até então ou até “de risco” só está a querer dizer: “as tuas regras não me interessam mais, já não sou um bebé”

Os comportamentos de risco entendem-se assim à luz do que foi dito: vontade de experimentar novos comportamentos, de se descobrirem a si próprios fora do controlo dos pais, à forte necessidade de necessidade da aprovação dos pares e deve ser entendido como um pedido de ajuda: “não tenhas medo de vir até mim, ajuda-me, aceita-me como eu sou, valida-me, diz-me que gostas de mim incondicionalmente.”

Os adolescentes vão rejeitar qualquer tentativa de controlo, assim diálogos honestos, autênticos e que coloquem em prática uma abordagem de igual valor, abordar sem julgamento e sem ataque pessoal  terão sempre mais sucesso e o adolescente será mais receptivo a criar soluções que funcionem para ambas as partes. No fundo o  que lhes devemos transmitir, sem medo de perder a autoridade, em cada conversa é: “preciso da tua ajuda para perceber o teu ponto de vista. Tenho a certeza que poderemos chegar a um acordo onde ambas as necessidades –  minhas e tuas – possam ser atendidas”. Aqui reside o verdadeiro poder – não ter medo e influenciar. E eles percebem isto.

Toda a resistência é falta de conexão e abordar o adolescente de uma forma hierárquica não promove qualquer conexão – quaisquer sinais de “eu vou mostrar-te quem manda” são destrutivos de uma relação duradoura e de confiança, podem promover obediência, momentânea, humilhação e medo, não conexão.

Em vez disso, sejamos capazes de ter com eles um diálogo sincero, concentrado, onde ambos possam colocar as suas necessidades, desejos e limites. Quando começamos a colocar o enfoque maior da nossa relação em como  o  nosso filho adolescente se comporta ou que notas tem ou o que consegue alcançar nos desportos ou como se veste ou que amigos tem, passamos a mensagem de que nos preocupamos mais com o que parece para os outros, como ele nos faz sentir perante os outros, do que com ele mesmo.

Um comportamento de falta de interesse, disfuncional é sempre sinal de que a criança perdeu contacto com quem ela realmente é. É por isso que regras, castigos, prémios não funcionam – não se trata de cumprir ou não cumprir, de respeitar, de temer, trata-se tão somente de conexão (da criança com o seu ser interior e dos pais com as crianças).

É o nosso verdadeiro dever como adulto / do pai –  chegar até aos nossos filhos, ajuda-lo a preencher as suas necessidades, a encontrar um caminho saudável para atender às suas necessidades (de validação, reconhecimento, segurança, novidade, etc). Interessarmo-nos por eles, pelo seu mundo (mesmo que seja um que nos cause alguma preocupação, evitar julgamentos ), pelos seus amigos, pelos seus gostos e passatempos  – mesmo que nada tenham a ver com os nossos.

Despir o papel de “encarregado de educação”, de “preocupada”,de “chefe controlador”-  tudo o que personifica “o mal” para eles e ser apenas quem somos, mostrarmo-nos, partilhar com eles como foi a nossa juventude,  demonstrar confiança e aceitação, mostrar-lhes a nossa fragilidade e o nosso genuíno amor incondicional como motor dos nossos atos e palavras,  mostrar-lhes a nossa humanidade –  isto é afinal praticar a parentalidade “do bem”  e estamos sempre a tempo de a colocar em prática.

referências : Alfie Khon, Alison Gopnik, Mikaela Öven, Shefali Tsabary