Academia de Parentalidade Consciente

Casulândia

Falar  em casulo remete-nos à Metamorfose, que todos nós conhecemos como parte da Natureza: do ovo à lagarta, da lagarta ao casulo e do casulo à borboleta.

Perante este fato, concluo que nós humanos também somos resultado de uma transformação da Natureza envolta numa espécie de “casulo” chamado saco amniótico. O bebé, tal como a borboleta, liberta-se do seu casulo e recebe a vida externa de braços abertos, como asas que pedem para voar.

Pois bem, assim chegamos nós ao mundo, cheios de vontade de altos voos, ambiciosos por liberdade e muito amor.

Mas, enquanto as borboletas continuam a voar, alguns de nós ainda sente receio de tentar voar. Este receio com o passar do tempo, tece em nós um novo casulo decorado de medo, onde nos refugiamos. Quando este medo transforma-se num gigante, mais forte do que a vontade de sair do esconderijo, somos bloqueados pelo sentimento dominador de impotência. Recuamos inúmeras vezes por medo de errar, por medo de ser vulnerável, por medo do julgamento e por medo, acima de tudo, de descobrirmos a pessoa que está dentro de nós.

Desta forma torna-mo-nos no “fantoche” perfeito, que a sociedade manuseia e que nós também aprendemos a manusear de modo a sermos não quem somos, mas quem querem que sejamos.

Recolhidos em segredo, sonhamos em silêncio, transpiramos por liberdade, secamos lágrimas e desejamos o abraço de um milagre. Alguém que acredite em nós, alguém que nos receba tal como realmente somos, alguém que nos desperte a coragem. Esse alguém até pode chegar, mas não conseguirá libertar-nos da escuridão do casulo. Porquê?

Porque o casulo é um espaço isolado, onde apenas UM tem em mãos o poder de quebrar as correntes e transformar-se. O verdadeiro milagre está em ti, em mim, em nós, ao aceitarmo-nos tal como somos, independentemente do que possa chegar até ti, até mim e até nós.

Podemos enumerar exemplos desta necessidade casuliana em vários contextos. Uma delas, bem visível, é na parentalidade.

Respeitamos o timing da gravidez, respeitamos todas as necessidades do bebé e aguardamos pacientemente que ele ou ela nasça do precioso casulo de amor e perfeição. E está tudo bem!

Como pais, idealizamos filhos perfeitos e somos felizes por assim ser. Mas, quando confrontados com um diagnóstico ou com um comportamento desafiante da criança, inconscientemente, a dor envolve-nos em múltiplos casulos, que protegem do julgamento, da diferença, da realidade, da rejeição, da vulnerabilidade, da vergonha, da desilusão e dos nossos próprios medos de não saber lidar com o inesperado.

Diariamente, despertamos o medo de aceitar, de amar, de defender, de não saber, da solidão, de acordar, de morrer, de deixar cair uma lágrima e o medo, muito medo do futuro.

Perante esta situação, muitos membros da sociedade também criam os seus próprios casulos, desde o momento que constroem muralhas robustas que os mantêm ausentes também por medo, por negação, por desconhecer, e por não aceitarem o rótulo que a criança recebeu. E em silêncio, lentamente, retiram-se daquele momento, simplesmente por não estarem preparados para a transformação “original” que aquela criança teve (poderia usar a palavra “especial”, mas não o faço, porque defendo que todos nós o somos).

O “normal” foi idealizado através da observação de fora para dentro, e não de dentro para fora. Daí a grande dificuldade na aceitação da criança tal como ela é. Infelizmente as emoções parecem ter sido formatadas de tal forma que deixamos de ouvir o coração e autorizamos as crenças sociais e pessoais a dominar. Assim surge casulo atrás de casulo.

Tal como o adulto, a criança também protege-se, especialmente quando não sente aceitação pela pessoa que é. Muitas vezes, ela nomeia o Senhor Casulo como seu melhor amigo, isola-se em sentimentos negativos, dor, raiva, fragilidade, vulnerabilidade, medo, falta de amor, falta de compreensão e vergonha dela mesma. Coberta de todas as sensações que estes sentimentos conseguem desabrochar, ela decide em quem irá se transformar. Este retiro representa o início de um futuro baseado em sentimentos e emoções que predominaram na sua vida.

Toda a criança com ou sem diagnóstico tem sentimentos, por vezes não consegue expressá-los, porque fechou-os secretamente dentro de si.

A criança recorre a determinados comportamentos por ser a única forma que sabe comunicar que algo não está bem. O comportamento não é mau, se for interpretado como um pedido de ajuda ou como um alerta para satisfazer uma necessidade.

Quando alguém utiliza um tom de voz agressivo com a criança, esta sente-se assustada e com medo. Estes sentimentos podem conduzi-la ao casulo onde desenha o adulto que será. Mas, esta situação, pode também despertar nela a sua autodefesa através da agressividade verbal e/ou física. Analisando o acontecimento com o foco apenas no comportamento específico desta criança, trata-se de uma criança rebelde e agressiva. Por outro lado, se o foco estiver em entender o que levou a criança a ter aquele comportamento, automaticamente a atitude do adulto para com a criança, será colocada em questão.

Outro exemplo seria de uma criança com diagnóstico. No caso de Autismo a criança consegue ouvir inúmeros sons em simultâneo: o telemóvel a tocar, as pessoas a falar, o carro a apitar, alguém a cantar, o elevador a descer e a subir, o microondas a funcionar, os ponteiros do relógio a girar e muito, muito mais. Neste cenário a criança, recorre muitas vezes ao grito, porque ao fazê-lo conseguirá, astutamente, que a sua voz se sobreponha aos sons que a incomodam. Quando o foco esta unicamente no grito, é urgente ordenar que a criança se cale. Esta ordem tem o poder de reacender o medo e logo o silêncio do casulo. No entanto, observando este comportamento à lupa, a causa do grito remete à necessidade da criança de espaços mais calmos.

Desta forma defendo que toda a história tem de ter a sua introdução, o seu desenvolvimento e só depois a sua conclusão.

Que a criança seja compreendida não apenas por aquele seu momento, mas pela história completa do momento: a introdução do comportamento, o desenvolvimento da causa camuflada e a conclusão da sua necessidade. Só assim conseguiremos extinguir a Casulândia – o mundo fictício, povoado pelos poderosos casulos criados em ti, em mim, em nós, e em especial nas nossas crianças.

Quando tu, eu e nós nos permitimos a aceitar, nos permitimos a amar incondicionalmente tal como é, criamos conexão e logo damos oportunidade. Esta decisão oferece-nos um trampolim com destino à tua, à minha, à nossa transformação inexplicável, indescritível, incrível e sem limites.

O futuro depende desta aceitação, pois a criança que hoje não é aceite, amanhã será o adulto que também não aceitará.

Que os casulos sejam apenas os que a Natureza criou visíveis ao Homem, e que o Homem seja a transparência visível da Natureza transformada em quem cada um de nós é.

Rasga o teu casulo, despe o teu medo, veste quem és, aceita e voa!

Célia Almeida

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