Academia de Parentalidade Consciente

Ciência e Parentalidade Consciente: Relato de uma mãe cientista no caminho da Parentalidade Consciente

Cá em casa a parentalidade e a ciência são duas palavras fortes: porque o pai e eu (mãe) trabalhamos em investigação científica e vivemos alguns marcos da nossa vida juntos influenciados pelas oportunidades que esta profissão nos deu; porque a parentalidade é a nossa maior descoberta; porque os nossos filhos nos permitem comprovar a cada dia que as crianças são os verdadeiros cientistas.

Dito isto, gostava de explorar aqui um bocadinho alguns aspectos em que sinto que o facto de trabalhar em ciência influencia a minha aproximação à parentalidade e, mais especificamente, me colocou no caminho da parentalidade consciente. E assim de repente vêm à cabeça três categorias de aspectos:

a) Dos factos científicos:

Talvez a mais óbvia. Infelizmente alguns destes factos só os conheci depois do nosso filho nascer e com alguma pesquisa. Mas cabe-me então também, na medida das minhas possibilidades, ajudar a divulgá-los.

E nesta categoria cabe, por exemplo, a relação comprovada hoje em dia entre o tipo de parentalidade e o desenvolvimento do cérebro. Sabe-se que o cérebro se desenvolve a uma velocidade e complexidade alucinante durante a primeira infância e que, quanto maior a conexão entre o cuidador e a criança, mais seguro será o vínculo estabelecido entre eles e mais saudável será o desenvolvimento cerebral. Pelo contrário, se a criança for exposta à falta de cuidados emocionais, for neglegenciada, isso deixará marcas no seu desenvolvimento, profundamente visíveis e comprovadas na sua estrutura e actividades cerebrais e obviamente impactará vários aspectos da sua vida adulta, de saúde, de aprendizagem, de relação emocional consigo e com os outros.1 Outro aspecto que nos diz que a parentalidade consciente começa a ter impacto desde muito cedo é o de que mães que relatam maiores níveis de ligação com o seu bebé durante a gravidez, que possuem representações mentais da gravidez mais positivas, exibem posteriormente maior qualidade de cuidados ao recém-nascido.2

Sabe-se também que muitos dos comportamentos dos pais em relação aos filhos na infância podem não só influenciar grandemente a sua saúde ao longo de toda a vida, como passar para a geração seguinte! 3 A epigenética, que representa o estudo das alterações que ocorrem não a nível da estrutura dos genes mas a nível de activação e desactivação de genes por outros processos moleculares (metilação, etc), é um campo científico cada vez mais estudado e com reconhecido impacto. A epigenética do comportamento em particular tem-se focado muito nesta relação de passagem de comportamentos para as gerações seguintes, nomeadamente com estudos de passagem intergeracional de sintomas relacionados com respostas a experiências adversas e eventos traumáticos. Por exemplo, sabe-se que os netos de pessoas que estiveram expostas aos traumas de guerra manifestam elas ainda também marcadores fisiológicos de stress pós-traumático sem nunca terem estado em cenários de guerra.4

“Do not kiss your children so they kiss you back but so they kiss their children and their children’s children” (Noah ben Shea)

é uma frase que sempre tenho presente quando abordo este tema.

 b) Prática:

No entanto, a vida científica não me pôs no caminho da parentalidade consciente “apenas” pelos factos. Há também a componente prática, relacionada com competências essenciais no trabalho de investigação, como em tantos outros, e que acabam por ajudar na parentalidade.  Paciência, curiosidade, análise crítica (este às vezes complica mais do que ajuda, mas isso é outra história J ), lidar com frustrações, delinear objectivos, deixar ir as expectativas, comprovar que pequenas alterações ao protocolo experimental podem dar grandes efeitos, colaboração, e a importância de ver o quadro maior a cada situação.  Um pequeno exemplo: será mesmo tão importante insistir que a criança coma a sopa toda naquele almoço ou que olhando para o geral da semana a criança se tenha alimentado bem?

c) Filosófica:

Finalmente, hoje olho para a minha vida profissional de 14 anos em investigação e concluo facilmente que o resultado que obtive nesta profissão a que dou mais valor não está relacionado com a mutação no gene x, nem a expressão da proteina y, nem os artigos não sei onde. E aqui entro na categoria se calhar mais “invisível”, inesperada de pensar quando me lançaram o desafio de pensar em ciência e parentalidade. O que vejo de mais valor nestes anos são as pessoas e as viagens que tive o privilégio de ter na minha vida! Amigos, mestres, desafios e viagens que me fizeram crescer, conhecer-me melhor e conhecer outras culturas e outras maneiras de ver o mundo; abraçar os obstáculos, e para os ultrapassar focar-me no importante e deixar ir o resto.

Em vista panorâmica, o meu trabalho proporcionou-me, como acredito todos deveriam proporcionar, caminhar para uma maior autenticidade, abertura, tolerância, simplicidade, felicidade, vontade de aprender sempre mais, capacidade de superar desafios e de mudar! Crescimento, intuição, consciência! Muito do que hoje sinto como essencial na parentalidade e na construção das minhas intenções como mãe e ser humano! Aqui sim reside na minha vida a verdadeira intersecção entre ciência e parentalidade.

Para saber mais sobre estes assuntos recomendo os seguintes recursos:

  1. Bick J, Nelson CA. Early experience and brain development. Wiley Interdiscip Rev Cogn Sci. 2017 Jan;8(1-2). (Harvard Medical School, Boston Children’s Hospital, Boston, MA, USA. (link: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4677140/)
  2. Curso “Babies in Mind: Why the Parent’s Mind Matters”, disponível online na plataforma Future Learn, pela Universidade de Warwick. (link: https://www.futurelearn.com/courses/babies-in-mind)
  3. Tabitha M. Powledge; Behavioral Epigenetics: How Nurture Shapes Nature. BioScience 2011; 61 (8): 588-592. (link: https://academic.oup.com/bioscience/article/61/8/588/336969/Behavioral-Epigenetics-How-Nurture-Shapes-Nature)
  4. Kellermann NP. Epigenetic transmission of Holocaust trauma: can nightmares be inherited? Isr J Psychiatry Relat Sci. 2013;50(1):33-9. (link: http://doctorsonly.co.il/wp-content/uploads/2013/07/08_Epigenetic-Transmission.pdf)

Convido-o(a) também a visitar o site do nosso projecto “Parentalidade com Ciência” (www.parentalidadecomciencia.com).

Ana Ferreira