Academia de Parentalidade Consciente

Quando o comportamento de uma criança é um pedido de ajuda… O que fazer?

Bateu no colega, chamou nomes ao professor, estragou o lápis do António… Esses comportamentos são pedidos de ajuda? Não pode ser… Bem, na verdade, muitas vezes são. E cabe-nos a nós, adultos, perceber isso, lidar com isso e mudar isso.

Desenvolvi um Programa de Promoção de Competência Pessoais e Sociais numa Escola com a intenção clara de que a minha intervenção não seria direcionada apenas para os alunos, mas também para os professores. Considero muito importante o trabalho consciente junto das crianças, mas também dos professores, psicólogos e assistentes operacionais que trabalham nas escolas. Para haver uma mudança efetiva acredito que é necessário olhar para o todo e cuidar do todo.

Este desafio passou por desenvolver várias atividades com os alunos, mas o que eu gostava de partilhar neste artigo foi a forma como pude escutar os professores e devolver-lhes isso mesmo: serem ouvidos, serem reconhecidos. Também eles têm necessidades. E para ajudar as nossas crianças temos que, também, ajudar os profissionais que as acompanham todos os dias.

Junto destes professores a minha intenção foi oferecer uma outra forma de estar/pensar/sentir/agir e como esta nova abordagem poderia ser útil para a relação com os seus alunos. Os temas que debati com os professores foram os seguintes:

Intenções

Necessidades

Comunicação Consciente

Auto-estima

 

  1. Intenções

Refletimos em conjunto sobre como as intenções dos professores estão diretamente relacionadas com as suas ações: Que tipo de professor quero ser? De que forma posso contribuir para que os meus alunos tenham as qualidades/comportamentos que gostaria que tivessem? Que ambiente quero fomentar na sala de aula? Qual será a melhor maneira de agir se são estas as minhas intenções? Ressalvando que intenções é diferente de expectativas e objetivos.

  1. Necessidades

Todos nós temos necessidades e é importante que os professores reconheçam quais são as suas e as dos seus alunos, de modo a que, quando estiverem a observar um comportamento, compreendam a necessidade por detrás do mesmo. Dei a conhecer o Modelo LASEr* para perceberem quais podiam ser as necessidades das suas crianças e assim saberem qual a estratégia melhor utilizada com cada uma delas, tendo em conta os seus comportamentos habituais, por exemplo:

  • O Jorge está, muitas vezes, a gritar e facilmente entra em conflito com os colegas. Se calhar o Jorge sente necessidade de ser reconhecido e a estratégia de lhe propor uma atividade, como ajudar a professora a arrumar o material, pode ser uma forma de o reconhecer;
  • O Hélder não consegue estar muito tempo sossegado na sala de aula, facilmente se levanta e brinca. Talvez a necessidade por detrás deste comportamento seja de novas experiências e novidade, logo, pode ser que oferecer uma atividade criativa intercalada com os conteúdos rotineiros possam ajudar a satisfazer as necessidades de crianças como o Hélder.
  • A Marta gosta muito de estar agarrada aos colegas, gosta de dar abraços e contacto físico. Talvez a Marta precise de mais conexão, poderia experimentar-se criar um momento do dia em que a professora possa conectar-se com os seus alunos, sobretudo os que precisam de mais conexão como uma boa estratégia a utilizar;
  • A Luzia está sempre a perguntar o que vai acontecer a seguir à tarefa que está a desempenhar. Se calhar a Luzia precisa de se sentir segura e de ter mais controlo, uma estratégia a aplicar talvez pudesse ser a professora explicar no início das aulas as tarefas que os alunos iriam realizar durante a manhã/tarde, permitindo assim que as crianças com este tipo de necessidade se sentissem mais seguras.

Uma outra estratégia que discutimos foi a preparação das aulas garantindo que ao longo do dia ou ao longo da manhã/tarde disponibilizassem atividades que satisfizessem todas estas necessidades, inclusive as suas.

 

  1. Comunicação Consciente

A linguagem pessoal, isto é, falar na 1ª pessoa ao comunicar com a criança é uma noção que permite que o professor se conecte com a criança, diga o que vê, diga como a situação o faz sentir, diga porque sente o que sente e explique o que quer/não quer de uma forma clara; esta abordagem é fundamental para a resolução de conflitos. O professor pode então considerar as seguintes estratégias perante um conflito:

  • Manter a calma (com a ajuda da respiração);
  • Assegurar-se de que cada criança é ouvida;
  • Certificar-se que cada criança reflete sobre o seu comportamento e as suas emoções e o comportamento e as emoções do outro;
  • Assegurar-se de que as crianças se ouvem uma à outra;
  • Incentivar as crianças a respirarem fundo, pois ajuda a acalmar e a criar um estado emocional diferente e mais positivo.

Refletimos sobre como a respiração é uma estratégia a implementar em sala de aula como um momento de pausa para toda a turma. Concordámos que, apesar de estes pequenos passos parecerem desafiantes, o mais importante é simplesmente experimentar, quando possível, para que pouco a pouco esta forma de comunicação se torne mais natural.

 

  1. Auto-estima

Podemos refletir sobre 5 focos para uma auto-estima saudável:

  • Amor incondicional – praticar igual valor significa que a criança é considerada, respeitada e reconhecida independentemente do que faça, ou seja, a criança deve aprender que há uma diferença entre o que ela faz e o que ela é;
  • Aceitação – aceitar o que está a acontecer exatamente como é;
  • Presença – aumentar a presença consciente no momento;
  • Reconhecer – utilizar a linguagem pessoal, dando feedback verbal e não verbal, incentivar a criança, ter atenção aos detalhes, agradecer e comentar os progressos;
  • Confiança – confiar nas capacidades da criança, ajudar a criança a assumir responsabilidade pelas coisas em que pode assumir, pois quando mostramos confiança o outro tem mais vontade de mostrar quer realmente é capaz; confiar permite que a criança seja consciente das suas capacidades e limitações e evita dependências.

Este debate com os professores levou-os a questionar a responsabilidade da família e qual o seu papel enquanto educadores. Sabem que muitas das necessidades destas crianças estão em falta, sobretudo a conexão e o reconhecimento; a sua auto-estima não é valorizada, pelo contrário, muitas delas são crianças castigadas em casa, revoltadas, tristes e zangadas.

Como educadores, também ao nível do desenvolvimento pessoal destas crianças, e pelas horas que passam na escola, sabem que são, muitas vezes, as figuras de referência além dos familiares das crianças e portanto faz sentido que possam fazer alguma diferença na vida destas crianças, escolhendo uma abordagem mais consciente, compreendendo a importância de promover uma auto-estima saudável, com intenções claras e conscientes das necessidades por detrás dos comportamentos apresentados pelas crianças.

Respondendo à questão que este artigo tem como título: o que é que nós, professores e psicólogos (e outros profissionais que lidam com as crianças todos os dias), que estamos nas escolas, onde estas crianças revelam este tipo de comportamentos, que são pedidos de ajuda, podemos fazer? Ver além do comportamento. Ver as suas necessidades, conectar-se com a criança, reconhecer a criança, dar segurança à criança e proporcionar momentos criativos e alegres em sala de aula para que este possa ser um espaço de valorização pessoal, presença, pertença, amor, confiança e aceitação.

Reflitamos como é que estes temas e estratégias associadas podem ser integradas e implementadas, sabendo que esta abordagem pode ser desafiante por vezes mas que pode também trazer benefícios a longo prazo, não só para as crianças, como para os professores e psicólogos, entre outros profissionais que se relacionam com os mais pequenos, restando esperar para que a semente que é lançada permaneça em solo fértil e talvez possa germinar e ter resultados num futuro próximo.

Clara Pinto

*Modelo LASEr é da autoria de Pedro Vieira, citado por Mikaela Ovén no livro “Educar com Mindfulness” (pág. 133).artigo