Academia de Parentalidade Consciente

Já não há bombeiros, nem astronautas…

Muitos pais referem que os seus filhos estão completamente desmotivados, que não têm interesse por nada ou por quase nada.

Pergunto-me, concretamente: a que se referem?

Quando as crianças são pequenas e não sabem ainda andar, a coordenação é difícil, o equilíbrio é desafiante, o domínio dos membros é insuficiente para caminhar, aonde vão elas buscar motivação para treinar e treinar e treinar e não desistir? E os pais, como reagem a esta fase do crescimento? Não me lembro de alguma vez algum pai ter referido que tinha medo de que o filho não aprendesse a apanhar objectos, ou a andar, ou a correr por ter preguiça ou falta de motivação.  Quando é que este padrão se altera?

O que observo, e é apenas observação e não conclusão científica, sem uma amostra significativa e sem um intervalo de confiança aceitável, são vários aspectos que estão associados a este fenómeno da desmotivação, podendo existir outros. Pretendo apenas cultivar o espírito investigador nos pais. Investigadores de si, investigadores das crianças e investigadores da relação que têm com as crianças e adolescentes.

  • Como é a vida dos pais? Os pais estão motivados e têm interesses? Que estratégias usam quando estão desmotivados?

Tenho-me cruzado com muitas pessoas que nadam contra a corrente que é o rio das suas vidas e que, percorrendo-o da forma mais difícil, queixam-se, lamentam-se até à exaustão sobre o que a vida lhes deu, ou então aceitam de forma “submissa” o que vai acontecendo nas suas vidas, como se estivessem a cumprir uma pena.

As crianças aprendem pelo exemplo. Não podemos ensinar motivação por entregarmos a definição do dicionário aos nossos filhos e lhes dizermos “Tens de te motivar! Tens de ter interesses!”

Estão os pais motivados e entusiasmados com as suas vidas? Que estratégias usam para se motivarem? Quais os seus interesses? A resposta a estas questões responde à questão: O que ensinaram, pelo exemplo, sobre motivação aos vossos filhos?

  • Que expectativas têm em relação aos filhos, para além da expectativa de ter crianças entusiastas e apaixonadas?

Quando criamos expectativas sobre a personalidade, as preferências e as escolhas dos nossos filhos estamos a retirar-lhes graus de liberdade e estamos a retirar a nós próprios a possibilidade de verificarmos, fascinados, que aqueles seres pensantes têm uma identidade e que ela se exprime com tranquilidade.

Tenho verificado que há pais que não investigaram o suficiente a sua relação com as crianças neste capítulo e que nem suspeitam do peso que as suas próprias expectativas representam para os seus filhos, que, educados numa cultura de elogio, procuram a validação sistemática dos pais para as suas preferências e escolhas e, ao não quererem frustrar as expectativas dos pais, preferem anular-se a correr o risco de não estarem certos.

Vejo também crianças e adolescentes com tanto medo de errar que preferem nem tentar.

  • Como é a auto-estima das nossas crianças e adolescentes desmotivados? Se calhar é melhor focarmo-nos na forma como se produz uma auto-estima saudável…

Já assisti muitas vezes a pais a dizerem a crianças: “se não comes tudo, não gosto de ti”, ou “portaste-te mal, assim não gosto de ti”. O que estamos a transmitir às crianças? Que gostamos delas mediante o cumprimento de algumas regras, certo?

O que ensinamos quando não deixamos as crianças fazer experiências, trepar a árvores, brincar, saltar, pular porque se podem magoar? Ensinamos que não confiamos na sua capacidade para fazer essas actividades, para explorarem o mundo e a forma como se podem relacionar com ele.

E quando não temos tempo para estar com os nossos filhos, tempo de qualidade, o que lhes ensinamos? Que até fritar batatas é mais importante do que estar activa e totalmente presentes e com eles nem que seja quinze minutos.

Temos ainda as comparações com os irmãos, com os colegas, com o mundo, quando dizemos: “Vês, o teu irmão já comeu tudo! Devias ser como o Francisco, não é nada preguiçoso!” Ou ainda: “Que brincadeira tão tonta, bonecas são para meninas e carros para meninos!” O que conseguimos quando não aceitamos os nossos filhos como são, com a sua velocidade, com as suas preferências, com a sua destreza?

  • Quando pensam no futuro dos filhos, a que se referem concretamente os pais? Vejo muitos pais muito dialogantes com os seus filhos, que conversam muito com eles, com a preocupação de criarem ligações, e essa é uma acção muito positiva, mas quando os escuto a falarem sobre o futuro, constato que, quase invariavelmente, o grande foco é estudar muito, ter boas notas, arranjar um emprego, ganhar dinheiro, ter uma casa, um carro e uma família.

Afinal o que é o futuro que estamos a ensinar aos nossos filhos? Que foco no presente estamos a ensinar? Que quantidade de ansiedade estamos a transmitir a crianças que quase deixam de ser crianças e que aos nove, dez anos perguntam quais as profissões que dão mais dinheiro?  Já não há bombeiros, nem astronautas…

Numa tentativa de definir futuro pela forma como vejo que a ideia é transmitida, poderíamos dizer que futuro é o momento da vida de uma pessoa em que se tem um emprego, dinheiro, um carro, uma casa e uma família transmissora da mesma mensagem à geração seguinte.

É importante ensinarmos que a felicidade se constrói e que é o caminho, não o destino, e que precisamos de a começar a construir agora, que ela não depende do que se tem, mas de quem se é, que o que se tem ajuda no conforto, na possibilidade de conhecer o mundo e que a orientação profissional deve ser feita em função das preferências e apetências e não do retorno financeiro ao fim do mês.

  • Na escola, verifico também um grande desinteresse das crianças e constato que essa postura surge cada vez mais cedo.

Neste capítulo, da escola, existem muitos factores em jogo:

– Há um sistema de ensino desajustado temporalmente da realidade. Existem conteúdos excessivamente longos, formatos de aula pouco entusiasmantes para crianças que na sua maioria têm acesso a meios digitais e que acedem a informação de forma muito dinâmica.

– Existe a pressão dos pais, das escolas, dos professores para  terem boas notas, desviando o foco da novidade dos conteúdos e do ensino de matérias de forma interessante para a avaliação do conhecimento através de testes e de exames. Passámos a avaliar quem “presta” para ser alguém no futuro e quem está “estragado”.

– Existem professores que não estão preparados para dar aulas a crianças da era digital e que não dispõem de ferramentas comportamentais que permitam reduzir a agitação que existe nas salas de aula.

– O acesso generalizado a conteúdos de todas as áreas do saber faz com que uma aula convencional pareça “uma seca”.

– Há ainda o desrespeito que se passou a cultivar por uma das profissões mais nobres do mundo: professor.

Há mais factores que concorrem para a desmotivação. Os que acima enumerei são os que tenho encontrado com maior frequência, os que me parecem mais importantes e, tal como disse, sem validação estatística. Constato também que os pais estão tão focados no sucesso dos seus filhos, de acordo com uma receita pré-definida e sustentada pelo ter, e que em muitos casos não inclui a felicidade dos filhos como validação primeira do próprio sucesso, que não conseguem sair do paradigma da acusação aos comportamento dos filhos – desmotivação dos filhos – acusação pela desmotivação dos filhos, nem ganhar distanciamento para avaliarem o que está a acontecer com os seus filhos e consigo.

Pode ajudar a despistar as causas da desmotivação responder às questões anteriores e accionar o detective que há em cada pai, em cada mãe, sem julgamento, sem expectativas, apenas com o amor incondicional que os pais têm pelos seus filhos.

Maria José Pita