Academia de Parentalidade Consciente

Ser mãe inteira

de Vania de Jalles Carvalhas

Houve uma altura em que eu era o tipo de pessoa que hoje espero que a minha filha nunca tenha de se cruzar (embora saiba que um dia isso vai acontecer!). Eu evitava, sentia-me incomodada, por pessoas que não tinham as mesmas capacidades cognitivas que eu. Se via uma pessoa com deficiência pensava: “E se ela tenta interagir comigo?”, se isso acontecesse eu iria sentir-me desconfortável e não queria, de forma alguma, ter de lidar com esse tipo de sensações. Também sentia pena da família dessas pessoas. E quando diziam que elas eram o melhor das suas vidas, não conseguia perceber, pensando que estariam a tentar tirar o melhor partido da situação ou, simplesmente,  em negação. Como poderiam ser felizes carregando tamanho fardo?

Então um dia eu fui mãe. Mãe de uma bebé maravilhosa. Uma bebé que dependia de mim para sobreviver mas que me dava vida com cada olhar de ternura. Enquanto nos olhávamos eu traçava imensos planos para o nosso futuro. Revia o meu papel como mãe, os limites que teria de estabelecer para que se tornasse numa cidadã exemplar. No orgulho que ela seria para mim. Na menina super inteligente que se iria tornar, bem-comportada, respeitadora, boa aluna…

Passaram 3 meses até nos apercebermos que esta bebé maravilhosa não estava a ter o desenvolvimento esperado. Algo estava errado. A minha menina perfeita não mostrava interesse por brinquedos, não segurava a cabeça, não levantava as pernas quando estava deitada, não fechava as mãos. Hipotonia, disse-me a pediatra. Falta de tónus muscular que pode ser um sintoma para um milhão de doenças. Num segundo, todos os meus sonhos se desfizeram como castelos de areia levados pelo mar. Um mar de lágrimas que não chorei. Num minuto, tornei-me soldado de chumbo, pronta para uma batalha onde não conhecia o inimigo.

Passaram 3 anos e, de sonhadora e soldado de chumbo, passei a guerreira de amor. Não, nunca senti pena de mim. Nunca temi como seria interagir com a minha filha. Ela ensinou-me o Não JULGAMENTO e a ACEITAÇÃO. De todos os professores que passaram pela minha vida, a minha filha foi a que mais me ensinou. Ensinou-me a ter MENTE DE PRINCIPIANTE, a olhar para tudo como se fosse a primeira vez. A sentir entusiasmo pelas coisas mais simples, como um sorriso, um olhar, um som, um movimento. Como não fala e poucas vezes chora, doutorei-me em” detective” para tentar perceber sempre quais as suas necessidades. Ensinou-me a ter PACIÊNCIA. Paciência na espera pelos resultados dos exames, na espera por um diagnóstico, na espera pela aquisição de novas etapas de desenvolvimento. Ensinou-me a ter CONFIANÇA. Confiança nela. Confiança em mim. Confiança na VIDA. Confiança num propósito maior. Confiança no AMOR. Ensinou-me a lei do NÃO ESFORÇO e a DEIXAR IR. Deixar ir os planos, o que já não serve, a viver o momento e a fundir-me com o fluir da vida. Ensinou-me o valor da PRESENÇA. Não há nada de que ela goste mais do que ter-me ali, por inteiro, a falar para ela, a cantar para ela, a rir com ela.

A minha filha vive com o coração. É imensamente perfeita na sua imperfeição. Todos os que a conhecem se sentem envolvidos numa ternura imensa.

Todos os pais têm sonhos diferentes para os seus filhos mas há um que é comum a todos: que sejam felizes! A minha filha é feliz e por isso estou grata. Estou grata por ela ser quem é. Estou grata por me ter dado o privilégio de ser sua mãe e de conviver com ela todos os dias. Graças a ela a minha visão do mundo mudou, o meu coração cresceu e vou ter nele um lugar especial para todas aquelas pessoas que um dia não compreendi e afastei da minha vida. Na sua diferença a minha filha mostrou-me que, no que mais importa, todos somos iguais: a necessidade de CONEXÃO.  O melhor que podemos fazer pelos nossos filhos (e por nós) é desacelerar e conectar. Viver com eles o interesse, a curiosidade, o entusiasmo e a celebração da vida. Ao fazermos isto, criamos a oportunidade de fazer parte de uma das mais profundas e belas partilhas que pais e filhos podem experienciar: amar alguém por aquilo que eles realmente são. E isto é, sem dúvida o melhor que podemos oferecer!

2 comments

  1. Bem hajas, mãe maior!
    Ler-te enche o peito de orgulho pelo ser humano que és.
    Sejam sempre muito felizes.

  2. Esta história de amor levou-me ás lágrimas, não por pena, mas por compreender,a vida dá-nos provações para nos tornarmos pessoas melhores.
    Um abraço para esta mãe,
    Edite

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