de Cátia Pereira
Hoje trago-te uma partilha de uma conversa com uma mãe. Uma mãe que decidiu partilhar comigo a dor de uma criança que grita, que chora e que bate. Uma criança igual a tantas outras crianças, com necessidades por preencher. Tal como nós, adultos.
Contava-me esta mãe que na escola da filha, existia uma criança que demonstrava um comportamento totalmente descontrolado, que fazia com que os pais das outras crianças ficassem sem saber o que fazer. Era uma criança com 10 anos, que batia em todas as crianças, que gritava muito, que não conseguia ficar quieta e que usava frases como “Eu sou má”, repetindo vezes sem conta. Esta escola está integrada num contexto que consegue dar às crianças todos os recursos necessários, excepto um.
O amor incondicional.
Eu consigo imaginar o sofrimento desta criança ao colocar na sua identidade esta palavra. São palavras que ficam marcadas na nossa pele, rótulos carimbados nos nossos corações. Percebo também a insatisfação dos outros pais, nenhum pai gosta que os filhos cheguem a casa a dizer outra criança lhes bateu.
Enquanto, pais, criança, escola, educadores, pais das outras crianças se debatem em praça pública, quem mais sofre no meio disto tudo? A criança que até hoje pediu ajuda à sua forma e até agora não teve a resposta que a pudesse ajudar. Em causa, não está o amor destes pais, também os pais precisam de ajuda.
Continuamos a conversa e dizia eu a esta mãe, que as crianças têm muitos dons e, por vezes, os filhos gritam pelos pais. Dão voz às dores internas, as frustrações, as insatisfações, aos sonhos não concretizados, à falta de auto-estima dos próprios pais. Se não queremos que os filhos gritem as nossas dores, é o momento exato de pedir ajuda. Pais e filhos têm igual valor, mas a responsabilidade por manter a relação saudável é dos pais. São os pais que têm os recursos necessários para promover o bem-estar dos seus filhos. E está tudo na relação, os pais são a ponte para os filhos conhecerem o mundo, desde do primeiro dia. São a ponte para explorar e e a ponte para regressar quando precisam de amor, colo, cuidados e segurança.
A conversa continuou a desenvolver-se com esta mãe até que ela me questionou “Como podem outros adultos e outras crianças amar uma criança tal e qual como ela é, sabendo que tem este comportamento?”. E eu pergunto-vos, que respostas dariam? Se fosse na escola dos vossos filhos o que fariam?
A minha resposta foi, em primeiro lugar, a necessidade de toda a comunidade praticar compaixão por aquela criança e pelos pais. Perceberem que quando estão a colocá-la à margem de tudo e de todos pelo seu comportamento, não estão a ajudar a criança, pois ela própria já diz “Eu sou má”.
Se, em alguns momentos das nossas vidas, abrandássemos o ritmo, olhássemos sem julgamento e para além do comportamento, o que será que viriamos naquela criança que hoje não vemos? Como podemos ajudar uma criança que já diz “Eu sou má”, a retirar da sua identidade palavras destrutivas? Como podemos cuidar da auto-estima de uma criança e, até da auto-estima dos adultos? Com palavras, amor incondicional e cuidados.
Se nos lembrarmos que a criança não é o seu comportamento, mas sim a criança está a ter um comportamento, os rótulos deixam de existir e fica presente o amor incondicional.
O amor incondicional é pela criança em si e não aparece e desaparece consoante o seu comportamento. Neste caso, esta criança não é sempre má, mas as palavras e o contexto fizeram-na acreditar que sim. Se não, porque repetiria tantas vezes para si própria “Eu sou má”? Nesta escola e noutras escolas, todas as pessoas conhecem os alunos “problemáticos”, só isso diz muito sobre o nosso sistema.
Que gritos internos darão estes pais? Como se sentem? Como se vêem? Que pedidos de ajuda já fizeram?
Pedir ajuda, hoje em dia, ainda é tabu, ainda nos leva a pensar o que vão pensar de nós. Enquanto que pedir ajuda devia ser visto como pedir uma mão, pedir um tempo, pedir uma pausa para escutar o que vai na alma dos pais. Por isso, é tão importante o sigilo e profissionalismo. Só assim, os pais sabem que podem contar connosco.
É necessário, cada vez mais, existir uma rede de apoio sólida e construtiva que veja para além do comportamento da criança, que veja toda a família. Quando ouvimos uma família e escutamos cada elemento, ajudamos a cada um a encontrar-se no meio daquela família.
Aos olhos da Parentalidade Consciente, para além do que olhar para além dos gritos das crianças, devemos escutar com compaixão, sem julgamento, com total aceitação, o que está para além dos gritos dos pais. Pois somos nós, os adultos que mais precisamos de colo, de carinho, de afecto, de abraços, de palavras amigas e de respostas de ajuda. Isso é visível nas crianças. Não precisamos que nos digam como fazer e quando fazer. Não precisamos que nos digam que estamos a fazer mal e que há quem faça melhor. Precisamos que nos digam que estão connosco.
Quantas crianças gritam hoje em dia? Quantos pais gritam? Quantos de nós ajudamos quando nos é solicitado? E ajudar sem dizer “faz-assim-que-assim-funciona”?
Um abraço carinhoso.
Mais um post repleto de verdades, como tantos outros neste blog.
Obrigada pela partilha destas reflexões.