Aqui há dias, deparei-me com uma publicação num grupo do facebook dedicado a mamãs, em que um vídeo mostrava um pai e uma criança passeando, no centro comercial, de “trela dada”.
Bom, não seria bem uma trela , chamem-lhe um elástico com duas algemas que acorrentava o filho ao pai – perdoem-me a linguagem crua.
E eu convido-vos a refletir: qual será a melhor forma de fazermos os nossos filhos crescerem seguros e sentirem-se seguros? E qual é o preço a pagar por, em nome dos medos e dos perigos, fazê-los crescer com a sensação de insegurança e desconfiança?
Qual é a forma mais infalível de os manter inteiros, íntegros de corpo e de alma?
Algum tempo antes disto, fui e fomos todos alagados, pelos meios de comunicação, com notícias e pormenores sobre um alegado jogo virtual que, numa alegoria perfeita do clássico monstro de Melville, estava a arrastar jovens para a auto-mutilação e suicídio, e que deixou muitos pais num alarido alarmado.
E eu convido-vos a refletir: acham mesmo que é o jogo que leva estes jovens à auto-destruição? Quantas feridas da alma terão esses que se magoam no próprio corpo?
De onde vem o vazio? De onde veem as águas profundas, escuras, turbulentas, revoltosas que nos invadem, às vezes? De onde veem as “baleias azuis” que não conseguimos deixar de enfrentar – de fora ou de dentro de nós?
Alguém pode ter a certeza que a vida das suas crianças vai ser livre de perigos, livre de tormentas, livre de riscos?
Podemos garantir – ou até querer – que eles fiquem sempre em terra firme, sem arriscar ir além do horizonte, que não embarquem nas suas aventuras? Ou será que o Aliexpress também venderá uma trela de comprimento infinito que os mantém ao nosso alcance, sob nossa proteção, ancorados no nosso controlo?
E quantos destes nossos medos serão verdadeiros ou apenas uma ilusão? E não será outra ilusão acreditar que a vida não comporta risco, imprevisibilidade, precipícios, tempestades e confrontos com maus instintos?
Porque, embora as nossas crianças cresçam em tamanho e algumas estruturas do seu cérebro se vão desenvolver, tal como os músculos dos braços e pernas, os monstros podem sempre ser maiores do que eles e só teremos para nos salvar a força interior – essa que nos faz superar tsunamis e naufrágios durante a vida e que , acredito, se constrói durante a infância, deste o primeiro dia que nascemos, na relação que estabelecemos com os nossos cuidadores.
O medo faz-nos, muitas vezes erguer muros , faz-nos separar entre “nós” e os “outros que não são como nós”, faz-nos pensar nos bons (os nossos) e os maus (os outros que se atravessam no nosso caminho). Faz-nos pensar em vítimas e agressores, sem percebermos que, muitas vezes, são os dois lados de uma mesma moeda. Faz-nos cair na armadilha da (hiper) proteção, na desconfiança, na (ilusão do) controlo.
Há um cordão que nos une a quem mais nos quer bem, antes de nascermos. E que, eu acredito, esse sim, temos de alimentar, esticar, fortalecer, vida fora. Essa espécie de cordão invisível que nos manterá seguros não se compra no Aliexpress a bom preço. É muito caro porque envolve muito tempo de dedicação, empenho e presença, envolve todo o coração, pensamento e comprometimento, mas o seu valor é inestimável.
Não há baleia azul que resista a quem se ama a si próprio. A auto-estima é a âncora mais poderosa que nos põe a salvo das águas turvas em que possamos cair, a âncora que nos mantém firmes, à tona de quem somos de verdade, que nos permite acreditar, confiar em quem somos .
Um adolescente com auto-estima não precisa de máscaras para os outros, nem de mascarar as emoções para si próprio. Pede ajuda quando precisa. Sabe-se aceite e aceita-se tal qual como é. Conduz o seu próprio navio, recorrendo ao mapa do amor-próprio e da confiança. Não precisa de se sentir o maior, o mais capaz, não vai ao fundo quando alguma aventura acaba mal. Não depende da validação dos outros para se sentir bem.
É conseguir cozinhar este caldo morno e nutritivo que nos compete, como pais. É, cada dia, tentar afinar mais um pouco, esta poção mágica* onde reside o nosso maior poder – não para ter a certeza de que não vão enfrentar as suas tormentas, que não vão ter o seu moby dick pessoal, mas para termos a certeza que fizemos a nossa parte do percurso dos nossos heróis, e que é apenas – por mais que nos custe aceitar – escrever o prefácio da sua jornada.
*ingredientes-secretos : amor incondicional, aceitação, presença, confiança, reconhecimento – tens a receita completa e a oportunidade de pôr a “mão na massa” no livro Educar com Mindfulness, de Mikaela Övén ou nos workshops que facilito sobre auto-estima ( sabe mais aqui)
Mariana Bacelar | o suave milagre