Naquele dia, naquela hora, naquele ano fomos convidados a iniciar a viagem pela estrada PEA (Perturbação do Espectro do Autismo). Lembras-te?
Acompanhados apenas com uma mochila de incertezas e um olhar hipnotizado perante infinitos semáforos vermelhos, diversos sinais de proibição e inúmeros sinais de obrigação. Sem falar naquele sinal distante, mas gigantesco, a indicar estrada sem saída. Andamos, andamos estrada fora e lá…, lembras-te?
Lá Ontem, começaste a ser proibido de fazer o que querias.
Depois Hoje suplicaste que não querias, mas na mesma foste obrigado a fazê-lo.
Entre tantos “Ontem” e de tantos “ Hoje”, existe sempre a esperança que o Amanhã seja diferente e que esta estrada possa ter uma possível saída!
Mas, tu no fundo, adormeces sabendo que o amanhã não será nada mais , nada menos do que uma cópia do ontem e do hoje, tudo voltará a acontecer mais uma vez, neste labirinto autoritário.
Deparas-te tristemente com o teu NÃO fracassado, as tuas lágrimas ignoradas, o teu grito calado, a tua revolta travada e ai então DESISTES de ti e do que poderias ser, se fosses respeitado como criança que és.
De tanto ignorarem o teu pedido e a tua opinião, tu próprio acabas por ceder a tua vontade, ceder a tua personalidade. E inconscientemente tornas-te na criança a quem o medo aprisiona a voz interior. O teu novo comportamento é julgado pela sociedade que te rodeia e não tens direito a advogado de defesa.
E assim, HOJE és a criança que não eras ONTEM e AMANHÃ serás a criança que não sabe o que irá ser.
Quando permito-me estar presente para ti, na pausa daquele semáforo vermelho, descubro o teu olhar perdido e desesperado que toca no meu como um último apelo. A tua lágrima reflete no meu coração a tua mensagem. Em cada letra um suspiro por uma oportunidade. Senti fortemente a tua enorme NECESSIDADE de compreensão e valor.
Neste momento de conexão, a tua voz transformou em mim: o meu, o nosso melhor guião:
- NÃO quero esta roupa!!
A etiqueta da tua camisola pica a tua pele sensível o dia todo, tal como a minha o que torna-nos irrequietos e mal humorados Por este motivo, ao final do dia corremos para o quarto para trocar de roupa.
- NÃO quero estes sapatos!!
Os nossos dedos ficam tão apertados que desesperam pela liberdade nos chinelos .
- NÃO quero esta sopa!!
Realmente esta sopa hoje não está comestível. Também não consigo come-la.
- NÃO quero dormir!
Também detesto ir para a cama sem sono. Ficamos mais um pouco na sala.
Quando coloco-me no teu lugar, desperto radicalmente para a transparência das respostas, tudo fica tão simples, tudo resume-se às tuas, às minhas, às nossas Necessidades, não de criança ou de adulto, mas às Necessidades de Seres Humanos que somos.
Desta forma, dei-te a oportunidade de seres a criança feliz e tu deste-me a oportunidade de ser o adulto amado. Quando semeamos o Igual Valor, colhemos o Amor!
Ontem foste a criança feliz, Hoje és a criança muito feliz, Amanhã serás a criança que adormece pela felicidade de um novo amanhecer, mas desta vez, na nossa estrada PEA – Passeio ao Encontro do Amor!
Querido leitor, desafio-te a pensar no Ontem, no Hoje e no Amanhã da tua criança!
Que oportunidade estás disposto a dar e que oportunidade gostarias de receber?
Célia de Almeida