Estratégias conscientes para gerir a sala de aula – de Joana Magno
Uma sala de aulas é um mundo. Um mundo povoado por pequenos grandes seres – as CRIANÇAS. As crianças são os adultos de amanhã, são o futuro, por isso é fundamental atuarmos de forma consciente, AGORA, no PRESENTE, para que o futuro seja também mais promissor.
Todos os dias, crianças e professores, JUNTOS, embarcam numa viagem de descoberta, de crescimento, e conhecimento mútuos. Esta descoberta, crescimento e conhecimento mútuos só são possíveis quando o professor entende ser um orientador, que ajuda os seus alunos a evoluir, dando-lhes RESPONSABILIDADE PESSOAL pelos seus comportamentos, ensinando-os a pensar, a tomar decisões e a serem mais autoconfiantes. Nesta visão, professor e alunos têm IGUAL VALOR, o que significa que ambos são respeitados da mesma forma. As crianças são consideradas, assim como as suas opiniões, desejos e emoções, que têm exatamente o mesmo valor que as do adulto.
As crianças devem igualmente saber que estão num ambiente seguro, onde não há lugar para a ameaça, para o medo ou para a intimidação, e devem poder encarar o professor como uma pessoa de confiança, que os apoia nos momentos em que mais precisam.
Ensinar e aprender são processos distintos que convém termos em conta. Assim, para que possa existir uma ligação efetiva entre estes dois processos ensino-aprendizagem, é necessário encontrar uma ponte que faça esta ligação, ou seja, tem que se estabelecer um vínculo entre o professor e o aluno. Um vínculo só se estabelece se existir uma boa relação, por isso a primeira intenção de um professor deverá ser fomentar um ambiente saudável onde seja possível estabelecer uma boa relação com os alunos e proporcionar-lhes equilíbrio emocional. Só depois poderá transmitir conhecimentos e lecionar de forma mais tranquila e harmoniosa pois quando uma criança estabelece uma boa relação com o professor é muito mais fácil que siga as suas orientações. Isto não quer dizer que faça tudo o que ele lhe pede, todavia na maioria das situações será muito mais cooperante com ele.
Para haver uma gestão diferente da sala de aula, é também importante desfazer-se o mito de que as crianças têm que ser controladas. Quando têm poucas possibilidades de tomarem responsabilidades pelos seus atos, simplesmente não estamos a permitir-lhes crescerem. Portanto, as crianças devem sim, aprender a autorregularem-se e não a serem controladas por fatores externos como é o caso de mapas de comportamentos, bolinhas com cores, castigos e afins.
É nesta perspetiva que reflito na forma como muitas salas de aula são geridas, e que acredito que esta gestão pode ser feita de modo diferente. Ao empoderarmos os nossos alunos, dando-lhes responsabilidade para serem eles a resolverem os seus conflitos, o resultado é uma melhoria significativa ao nível da autoestima e autoconfiança.
Então como fazer com que esta dinâmica resulte, utilizando estratégias mais conscientes de funcionamento conjunto que contemplem o grupo e a individualidade de cada um?
Algumas estratégias conscientes que se podem utilizar numa sala de aula são, por exemplo:
1. Escuta ativa;
2. Diálogo de um para um;
3. Espaço para negociação;
4. Criação de “Time in”
5. Construção de limites conjuntos, dando foco à linguagem positiva;
6. Ajudar a criança a encontrar alternativas quando se sente frustrada;
7. Realização de atividades que promovam o autocontrolo;
8. Identificação de necessidades por detrás dos comportamentos;
9. Consequências lógicas/naturais.
Passemos agora a descrever cada uma delas de forma mais detalhada.
1. Escuta ativa
As crianças precisam de sentir que as suas ideias e os seus sentimentos são respeitados, compreendidos e aceites, portanto o professor deve promover tempo e momentos de empatia, confiança e aceitação dos problemas e necessidades da criança através da escuta ativa para que a relação entre ambos fique mais próxima e significativa. O simples fato da criança perceber que está a ser ouvida, o que implica escuta por parte do professor, pode facilitar e ajudar a libertar os seus sentimentos e emoções.
2. Diálogo de um para um
O feedback individual ajuda a eliminar situações embaraçosas em que a criança se sente humilhada e evita a constante comparação com os pares. O comportamento de uma criança, só a ela diz respeito. Por isso, não tem que ser divulgado nem discutido perante toda a turma.
3. Espaço para negociação
É importante que a criança tenha espaço para colaborar ativamente na vida da turma, dando as suas ideias e partilhando as suas intenções individuais. Na resolução de situações limite é essencial que a criança saiba que as suas ideias são contempladas e que serão encontradas soluções win-win, onde ambas as partes envolvidas estejam satisfeitas.
4. Criação de “Time in”
O que uma criança mais precisa num momento desafiante é da nossa disponibilidade e de nos sentir próximos. A melhor forma de ajudar uma criança com um problema é muitas vezes apenas estar com a criança e esperar. É por isso importante que a criança sinta que, mesmo numa altura em que o seu comportamento é difícil, o professor continua a apoiá-la e a acolhê-la, uma vez que é em situações deste tipo que mais precisa de nós.
5. Construção de limites conjuntos, dando foco à linguagem positiva
Gosto de usar a palavra “limites”, porque “regras” por norma já está conotada com poder e autoridade, podendo causar resistência. É importante que os alunos estejam bem cientes dos seus limites e dos limites do professor, para conseguirem identificar previamente algumas emoções antes de chegarem ao
seu limite. Por exemplo, em situações em que tenho várias crianças à minha volta, todas a falar ao mesmo tempo, começo a sentir-me angustiada pois não as entendo, nem consigo dar resposta a nenhuma delas. Nestes casos, verbalizo esta minha angústia explicando-lhes que ao falarem todos ao mesmo tempo me enervo, e peço que falem um de cada vez. Na maioria das vezes, os alunos cooperam comigo e esforçam-se por respeitar este meu limite.
Relativamente à construção de limites conjuntos, geralmente dialogamos sobre o que é importante para nós, para existir uma boa convivência e a sala ser funcional para todos. Algumas ideias: respeitamo-nos uns aos outros; esforçamo-nos por saber ouvir; mantemos a sala limpa; partilhamos as nossas alegrias e tristezas…
Nesta construção procuro que se utilize linguagem positiva para que os alunos se centrem no que se pretende e não no que devem evitar fazer. Por exemplo: em vez de Não falar todos ao mesmo tempo, teremos Falar um de cada vez.
6. Ajudar a criança a encontrar alternativas quando se sente frustrada
É importante a criança ter alternativas quando se sente frustrada ou irritada. Estas alternativas podem contemplar pedir ajuda, contar até dez, fazer uma pausa, fazer algumas respirações, pensar em algo que a faça feliz, tentar novamente a tarefa que estava a fazer, ir dar uma corrida ao recreio ou estar com um amigo.
7. Realização de atividades que promovam o autocontrolo
Na sala de aula, o que geralmente os alunos têm mais dificuldade em controlar é o nível da voz (quando falam muito alto), as mãos (quando estão a mexer em material em alturas inapropriadas), e o corpo (conseguirem manter-se no seu lugar). Podemos ajudá-los a irem regulando-se, fazendo jogos onde se promova este autocontrolo. Ao nível da voz, por exemplo, realizarem-se atividades em que se fale baixo, outras em que se sussurre e por fim em que seja necessário o silêncio. É importante que o professor também revele autocontrolo, principalmente ao nível da linguagem corporal e do tom de voz.
8. Identificação de necessidades por detrás dos comportamentos
Todos os comportamentos têm uma necessidade por trás. Se formos nós próprios capazes e se ensinarmos os nossos alunos a verbalizarem e a conseguirem identificar as suas necessidades, podemos suprimir alguns comportamentos ao mesmo tempo que estamos a ensinar as nossas crianças a estarem mais atentas aos seus estados emocionais e a conseguirem regula-los em vez de reagirem impulsivamente. Por exemplo, uma criança que chama o professor e lhe diz que se sente aborrecida pode precisar de fazer uma pausa. Se essa pausa lhe for concedida, a criança poderá mais tarde regressar à sua tarefa sem perturbar a restante classe.
9. Consequências lógicas/naturais
A resposta não punitiva a comportamentos desadequados permite aos professores definir limites claros enquanto os alunos corrigem e aprendem a partir dos seus próprios erros, sem a utilização de autoridade e humilhação. Por exemplo, um aluno que rasgue o trabalho de outro colega ficará depois na sala a ajudar esse colega com o novo trabalho.
Todas estas estratégias têm como intenção que a relação professor aluno se desenvolva numa base de cuidado, respeito e amor mútuos. Quando as crianças se identificam, gostam e respeitam o professor, geralmente não o incomodam nem lhe causam problemas, o que faz com que as questões relacionadas com a disciplina diminuam drasticamente, pois as crianças que admiram os seus professores gostam que eles se sintam bem com elas. Quando os alunos se sentem à vontade para verbalizar e exporem o que sentem, conseguem lidar melhor com os seus estados mais intensos, visto que ao exprimirem as suas necessidades, libertam-se de estados de tensão que lhes estavam a condicionar a aprendizagem, ficando depois mais disponíveis para aprender.
Com estas estratégias mais conscientes pretende-se facilitar o processo de ensino-aprendizagem, criando-se uma relação e um ambiente entre professor e aluno onde exista espaço para os alunos terem liberdade para se exprimirem, pensarem, discutirem, questionarem e explorarem, conquistando, a longo prazo, a capacidade de resolverem autonomamente os seus problemas, procurando e encontrando de forma criativa e empreendedora as suas próprias soluções.
Implementar estas estratégias na sala de aula requer PRÁTICA, PACIÊNCIA, DETERMINAÇÃO e COMPREENSÃO, mas o resultado é muito gratificante e vale o esforço. As crianças são convidadas a descobrir o quanto são capazes de usarem o seu poder pessoal de forma construtiva, praticando desde tenra idade a negociação, a tomada de decisões e a resolução de problemas, preparando-se para aplicar estas competências para além da sala de aula, isto é, também no seu dia-a-dia e no futuro, em sociedade.
Até já!
Joana Magno
Artigo incrível e profundo Joana!
Profundamente Grata