Academia de Parentalidade Consciente

Parentalidade Consciente em Ação na Escola

Sou Professora do 1.º Ciclo, portanto diariamente lido com muitas crianças e muitos comportamentos. Como em vez de corrigir comportamentos, tento compreendê-los para descobrir a sua verdadeira causa, a minha sala de aula acaba por ser um verdadeiro laboratório relacional e comportamental onde o DIÁLOGO e o IGUAL VALOR ocupam papéis fundamentais.

Já lá vão dez anos de profissão, por isso posso dizer que já são alguns anos de experiência a NEGOCIAR LIMITES, a praticar a AUTENTICIDADE, o RESPEITO, a escutar NECESSIDADES, minhas e dos meus alunos, por isso iniciar um novo ano à partida não levantaria grandes questões.

Recebi então uma nova turma com dezanove crianças e entre estas dezanove crianças, estava uma menina de 5 anos, a Alice (nome fictício) que já vinha “sinalizada” do pré-escolar como uma criança muito difícil e problemática que frequentemente se recusava a fazer coisas ou a participar em atividades.

No 1.º Ciclo a dinâmica é bem diferente, a escola em Portugal conta com um professor encarregue de lecionar ao mesmo tempo o currículo nacional a todas as crianças, por isso em caso de não quererem aprender ou se recusarem a participar nas tarefas, constituem um verdadeiro desafio para o professor e foi exatamente isso que a Alice representou para mim quase um ano.

Um verdadeiro desafio!

Nos dias antes de começarem as aulas, a educadora aconselhou-me a reunir com os pais da Alice mesmo antes das aulas começarem, todavia lembro-me que na altura não prestei muita atenção ao que a educadora dizia de cada aluno, pois gosto de ter BEGINNER´S MIND e de receber os meus novos alunos SEM JULGAMENTOS anteriores que depois possivelmente poderão condicionar a relação que desenvolvo com eles. Por conseguinte, e uma vez que também não me fazia sentido reunir com uns pais, sobre uma criança que eu nem sequer conhecia, aguardei pelo início do ano e não fiz reunião nenhuma.

Mas, à medida que os dias iam passando, a Alice ia revelando comportamentos bastante desafiantes para comigo e para com os colegas. Situações como gritos intensos a dizer que não queria estar ali, recusa na concretização das tarefas, rasgar os manuais escolares ou atirar-me com material enquanto eu a muito custo tentava explicar exercícios, bem como o andar de pé e bater nos colegas eram práticas diárias e comuns.

Para mim, esta criança constituía um verdadeiro desafio, cheguei a pensar que houvesse mais alguma coisa que justificasse a forma como se portava, tal como alguma perturbação psicológica, pois a Alice, muitas vezes parecia que entrava numa espiral crescente de atitudes que pareciam cada vez mais complicadas de suprimir e onde nada parecia surtir efeito.

Lembro-me de estar em casa e pensar: O que é que ela irá fazer hoje? E depois, dizia para mim própria que ela era apenas uma criança de 5 anos que precisava de alguma coisa, mas o quê???

As aulas estavam cada vez mais difíceis de lecionar, pois eu passava grande parte das mesmas a gerir conflitos e ao mesmo temo a tentar dar conteúdos.

Por mais que tentasse perceber o que despoletava o mau comportamento da Alice, não chegava a lado nenhum. Por vezes, o dia até parecia estar a correr bem e de repente lá estava ela em pé em cima da mesa ou a espetar lápis nos colegas.

Tentei manter-me sempre o mais presente possível, mas confesso que havia dias que me sentia mesmo perdida e já sem saber o que fazer.

Eu não conseguia estabelecer uma relação com esta aluna, o que estava a ser muito prejudicial para o seu processo de ensino-aprendizagem, bem como para mim enquanto docente e restante turma.

Era mesmo importante conseguir estabelecer uma boa relação com a Alice e conseguir dar aulas a uma turma sem estar constantemente em conflito com as atitudes desta menina.

Um dia percebi que estava demasiada centrada na aprendizagem e nos conteúdos, estava igualmente muito centrada na parte cognitiva. Acontece que ao ter um elemento que não reúne as condições emocionais para poder aprender, tudo o resto fica condicionado. Por isso tive que desconstruir crenças, largar por momentos o foco nas aprendizagens e centrar-me na criança que tinha à minha frente. Tive que olhar para a Alice como um ser holístico, onde físico, emocional, mental e espiritual tinham que estar bem e claramente não estavam.

Depois de muitos dias de diálogo sem efeito, de regras negociadas que duravam um dia e que no dia a seguir já não tinham efeito, de sistemas de recompensa…entre outras estratégias, eu sem saber mais o que fazer, num dos dias em que a Alice estava completamente impossível, saí com ela da sala, coloquei-me de joelhos à sua altura e perguntei-lhe diretamente:

— O que é que tu precisas? Amor, um abraço, atenção?

— É só dizeres-me o que queres que eu dou-te, não precisas de ter estes comportamentos, basta dizeres-me o que queres.

E a Alice espontaneamente respondeu-me que queria um abraço. Dei-lhe um abraço e ela começou a chorar. Pela primeira vez, tinha conseguido chegar a esta menina, criei EMPATIA com ela e através de uma pergunta tão simples, que nunca me tinha ocorrido anteriormente alterei completamente a nossa interação. Percebi que tinha estado sempre centrada em como poderia alterar o comportamento e não no porquê, na necessidade que estava por detrás dele.

Claro que a Alice não passou a ser uma menina bem comportada e obediente, mas passou a ser uma menina que em vez de birras constantes, já verbalizava o que queria e acima de tudo colaborava comigo. Por exemplo, quando não quer estar sentada, combinámos que pode ficar em pé e até colocar a sua cadeira no fundo da sala mas que permanece no seu lugar sem circular pela sala a distrair os colegas. Quando está muito agitada e sem vontade de trabalhar, não rasga os livros. Faz uma PAUSA e vai até ao recreio se for preciso. Depois regressa e tenta voltar à tarefa. Quando está impaciente por sair da sala, fazemos períodos de trabalho muito curtos, como por exemplo, mostro-lhe onde está o ponteiro, se estiver no nove, combinamos que deverá fazer os exercícios até ao ponteiro estar no onze, depois pode ir ler um livro ou simplesmente deitar-se no cantinho da leitura durante um tempo combinado e só depois regressa à tarefa.

Estas pequenas estratégias também permitiram uma RESPONSABILIDADE PESSOAL por parte da Alice que agora assume um papel ativo conquistando aquilo que ela própria precisa.

Percebi que com PACIÊNCIA e ACEITAÇÃO, a Alice e eu temos crescido conjuntamente e a minha necessidade de que ela e a turma aprendessem de forma tranquila foi também preenchida.

A minha relação com a Alice melhorou da noite para o dia. Passou a dizer-me várias vezes que me adora, ao que eu lhe respondo que também gosto muito dela e ainda hoje tenho um post-it feito por ela colado no meu computador que diz:

— ” Adoro-te!”

Percebi também que nem eu nem os pais estávamos a respeitar o tempo da Alice e que estávamos a apressá-la a ter competências e formas de estar para as quais não estava preparada e que, com as nossas exigências só lhe estávamos a causar ainda mais sofrimento. As suas atitudes e comportamentos eram formas de nos dizer para ESPERARMOS, que ela não estava preparada para ingressar no primeiro ano e que estávamos a exigir-lhe formas de estar que iam contra a sua natureza.

Já passou um ano, a Alice este ano já está no 2.º ano e as suas atitudes não têm nada a ver com as do ano passado. Em casa, também se notam melhorias significativas, a mãe diz que a Alice está mais calma e acima de tudo muito mais FELIZ.

Às vezes continuam a existir dias desafiantes, mas agora a Alice sabe quase sempre verbalizar as suas NECESSIDADES e eu sei ESCUTÁ-LA ATENTAMENTE, ambas usamos as nossas ferramentas e procuramos ter CALMA em momentos de tensão, pois sabemos que podemos sempre RESPIRAR FUNDO e ESPERAR por um estado mais positivo de ver as situações mais adversas.

Joana Magno

2 comments

  1. Grata. Adorei! Os nossos alunos antes de mais säo induvuduos com caracteristicas e necessidades que precisam ser ouvidas, compreendidas, aceites. Desde essa perspetiva será mais fácil delinear estratégias e objetivos para o “aluno”. Ida

    1. Obrigada Ida pelo seu comentário.
      Até breve,
      Academia de Parentalidade Consciente

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